"O fato de Effie Ruskin ter escapado do seu casamento infeliz foi um golpe de sorte, algo muito incomum, pois no século XIX o divórcio, como tudo o mais que tinha a ver com o casamento, era extremamente tendencioso em favor dos homens. Para obter o divórcio na Inglaterra vitoriana, um homem só precisava mostrar que a esposa havia dormido com outro homem. Uma mulher, porém, teria que provar que o esposo havia agravado a infidelidade cometendo incesto, bestialidade ou alguma transgressão sinistra e indesculpável, extraída de uma lista muito reduzida. Até 1857, uma mulher divorciada tinha que abrir mão de todos os seus bens, e em geral perdia também os filhos. De fato, perante a lei uma mulher não tinha direito algum - nem direito à propriedade, nem direito à expressão, nem liberdade de qualquer tipo além das que o marido houvesse por bem lhe conceder. Segundo William Blackstone, grande especialista em teoria jurídica, após o casamento a mulher abria mão "do seu próprio ser, ou existência legal". A condição de esposa não era uma figura jurídica, de espécie alguma.
Alguns países eram ligeiramente mais liberais do que outros. Na França, a título excepcional, uma mulher poderia se divorciar de um homem em razão apenas de adultério, mas só se a infidelidade tivesse ocorrido no domicílio conjugal. Na Inglaterra, porém, as normas eram de uma injustiça brutal. Em um caso bem conhecido, uma mulher chamada Martha Robinson passou anos sofrendo espancamentos e maus-tratos de um marido cruel e instável. Por fim ele lhe transmitiu gonorreia e depois a envenenou, quase conseguindo matá-la, colocando um pó antivenéreo na sua comida sem que ela soubesse. Alquebrada na saúde e no espírito, ela pediu divórcio. O juiz ouviu atentamente os argumentos e em seguida arquivou o caso e mandou a sra. Robinson para casa, com instruções para tentar ser mais paciente."
Trecho do livro Em casa. Uma breve história da vida doméstica de Bill Bryson; 2010 pela Companhia das Letras. P. 353
Retrato [1853] de Effie pelo artista John Everett Millais, com quem ela fugiu depois do divórcio e teve oito filhos;
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